Fonte: Exame

A centenária indústria do petróleo passou por diversos choques ao longo de sua história, com consequências avassaladoras para a economia global. Em 2020, o estrago causado pela pandemia de covid-19 no setor trará efeitos permanentes para as petroleiras. No caso da Petrobras, o cenário não será diferente. Para enfrentar a pandemia, a companhia anunciou um corte temporário da capacidade instalada, colocou 25.000 funcionários — dos cerca de 45.000 — em home office e acaba de revisar para baixo seu programa de investimentos em exploração e produção no período de 2021 a 2025, para algo entre 40 bilhões e 50 bilhões de dólares, ante um valor anunciado anteriormente de 64 bilhões para o plano estratégico de 2020 a 2024. Em entrevista à ­EXAME, Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, afirmou que a pandemia foi um catalisador da transformação que as empresas do setor já precisavam fazer. A estatal resolveu intensificar os planos de cortes de custos, focar ativos de classe mundial e investir em novas tecnologias. Ele acredita que a Justiça “entendeu” os benefícios da venda de ativos da companhia sem aval do Congresso, um questionamento que chegou ao Supremo Tribunal Federal e cuja decisão foi favorável à Petrobras, no início deste mês. Segundo o executivo, a quarentena reforçou que a transição energética virá mais rapidamente do que o esperado e, com isso, a companhia estuda em quais fontes renováveis faz sentido investir. Para o chefe da maior empresa do Brasil, a quarentena permitiu que a Petrobras conseguisse fazer “seis anos em seis meses”.

A Petrobras anunciou uma revisão dos investimentos para baixo. Podemos esperar uma queda na produção de petróleo nos próximos anos?

Após o início da crise, prometemos fazer uma espécie de stress test do portfólio de projetos. Só aqueles que fossem resilientes a um preço de petróleo de 35 dólares por barril seriam de fato implementados. Resiliente significa que o projeto paga todos os custos, inclusive o de oportunidade do capital, incluindo dívida e remuneração do acionista. Com isso, já cancelamos alguns projetos. Mas como vai ser a curva de produção e de quanto vai ser o investimento para os próximos anos não temos condições de estimar no momento. Traçamos um intervalo de 40 bilhões a 50 bilhões de dólares para os próximos anos, mas não estamos preocupados com a maximização da produção, e sim com a maximização de valor para o acionista. Poderíamos aumentar a produção de petróleo, mas com projetos que não são economicamente viáveis. Preferimos o que chamamos de ativos de classe mundial, de baixo custo, baixo risco de exploração, com grandes reservas e de alto retorno esperado.

Outras grandes petroleiras, como a BP e a Shell, também revisaram o planejamento. A indústria global atingiu um novo patamar, com preços mais baixos?

Nos últimos dez anos, a indústria de petróleo global tem registrado um desempenho pífio. As companhias não tiveram uma boa performance e não conseguiram se ajustar a preços mais baixos. Agora, a crise da covid-19 agiu como um catalisador, levando as empresas a enxergar melhor a realidade. Do nosso lado, não mudamos a estratégia lançada em 3 de janeiro do ano passado. Resolvemos intensificar a execução da estratégia de corte de custos, acelerando a transformação digital e desenvolvendo mais inovações tecnológicas, para que no futuro nossos ativos sejam resilientes a preços ainda mais baixos. Esse perío­do de seis meses da pandemia tem sido extremamente positivo. O home office tem se mostrado muito produtivo. Embora as pessoas estejam geograficamente distantes, a atual conjuntura aproximou as equipes, temos times multidisciplinares atuando, a diretoria está se reunindo mais vezes por semana, discutindo com mais tempo as ideias. Em resumo, conseguimos fazer seis anos em seis meses.

No leilão do excedente da cessão onerosa em novembro do ano passado, petroleiras reclamaram do preço alto dos ativos. Diante de um novo horizonte para o setor, o modelo de partilha continua viável?

O modelo de partilha de produção no pré-sal não é atrativo para os investidores. No leilão do excedente da cessão onerosa, nós demos lances em campos que já operamos e conhecemos bem, como o de Búzios. Lá, a fase exploratória praticamente não vai existir. Porém os outros concorrentes ainda tinham de nos restituir pelos investimentos já realizados, e eu entendo perfeitamente por que podem ter considerado os campos caros. O regime de partilha não estimula o aumento de produtividade, além de a tributação ser extremamente alta.

O senhor é a favor da mudança da lei?

É fundamental que o Brasil faça isso. Quanto mais simples for a regulação, melhor. Quando o modelo de partilha foi aprovado, a primeira experiência do governo foi com o leilão de Libra [em 2013]. Apenas um consórcio, capitaneado pela Petrobras, deu lance. Nunca foi algo disputado e atraente.

Mas hoje a Petrobras ainda usufrui do regime de preferência nos leilões do pré-sal. Com o eventual fim do modelo de partilha, isso tiraria a competitividade da companhia?

A Petrobras está preparada para competir em qualquer regime. A companhia não precisa disso para investir em um campo de petróleo. Temos competência, tecnologia, capital humano e experiência. A preferência é muito ruim para qualquer empresa, que acaba não se esforçando para ser mais produtiva.

A Petrobras arrematou os campos de Itapu e Búzios, pagando um bônus de assinatura superior a 60 bilhões de reais. Como estão as encomendas e o cronograma para desenvolvê-los?

Já operamos nos dois campos, inclusive eles bateram recorde de produção de 800.000 barris de óleo equivalente por dia. Estamos encomendando algumas plataformas e nosso objetivo é começar a extrair óleo no segundo semestre de 2024.

A empresa reduziu temporariamente a capacidade de produção em alguns campos. Houve renegociação com fornecedores?

A redução da capacidade foi marginal. Paralisamos 62 plataformas, que produziam 23.000 barris de óleo por dia. Isso é menos do que produz um poço do pré-sal, cujos volumes giram em torno de 50.000 a 60.000 barris por dia. Se continuássemos a operar, não conseguiríamos pagar o custo da operação. Então, eles foram hibernados, e provavelmente vamos desativar esses campos no futuro. Quanto à renegociação com os fornecedores, já foi concluída. Conseguimos a postergação de desembolsos para 2021, algumas reduções de custos, mas não foi tão significativo como aconteceu em 2015. Naquela época, nós e toda a indústria do petróleo conseguimos descontos significativos. Nossos fornecedores já estão muito estressados por causa da crise atual. Vários deles dependem do Brasil porque o corte foi global.

Por outro lado, as vendas de ativos da companhia em campos marginais estão gerando novos negócios para petroleiras de menor porte. Isso deve se intensificar?

Esse é um evento extremamente positivo para o Brasil e para a economia. São campos que, para uma empresa grande, como a Petrobras, não vale a pena operar. Colocamos à venda um número significativo de campos em terra e águas rasas no Rio Grande do Norte. A produção média era de 5 barris por dia por poço. Para um pequeno produtor, esse número é interessante, pois ele tem uma estrutura de custo muito menor e isso vai ser o grande negócio dele. É um negócio que é bom para as empresas e para os estados, porque a Petrobras não ia investir.

A venda de campos maduros e de refinarias tem gerado questionamentos na Justiça, que chegaram ao STF. O senhor vê risco de avanço desses movimentos?

Há uma questão ideológica por trás disso tudo. Seja no campo da direita, seja no da esquerda, algumas pessoas querem que sua visão de mundo triunfe independentemente de resultados do mundo real. Temos visto grande receptividade na venda de campos por parte de alguns estados, como no Espírito Santo. Já outros pensam diferente. Respeitamos as diferenças ideológicas. Alguns sindicatos têm entrado com recursos na Justiça contra os desinvestimentos, mas têm perdido. O Judiciário entendeu os benefícios para a população desses estados.

Qual é a perspectiva para a venda das refinarias? De alguma forma a pandemia atrapalhou o cronograma?

A pandemia atrasou, sim. Todas as refinarias já passaram pela fase de propostas não vinculantes. Foram escolhidas as melhores e esses competidores passaram a fazer due diligence [processo de investigação de oportunidade de negócio]. Mas um dos passos desse processo é a visita às operações das refinarias, que geralmente duram dois dias. Tivemos de cancelar várias dessas visitas devido à covid-19. No caso da RLAM [Landulpho Alves], que está mais avançada, não tivemos esse problema porque nós corremos. É um caso de ativo que já tem um comprador aprovado, que deu o maior lance, e está negociando os termos de assinatura de contrato de compra e venda, o que esperamos que aconteça neste ano.

A indústria petrolífera sofreu um verdadeiro pânico há pouco tempo, com os contratos futuros sendo negociados no terreno negativo. O que podemos esperar daqui para a frente?

A indústria está passando finalmente por um processo de reestruturação, e nós também. Não só a covid-19 mas principalmente a transição energética vão fazer com que a demanda por petróleo no mundo cresça mais lentamente. Isso significa preços mais baixos. Temos de ter custos menores. Algumas empresas europeias querem investir mais em energias renováveis. Nós, no momento, não estamos prontos para isso.

Por quê?

É um negócio que não conhecemos nem técnica nem comercialmente. Preferimos continuar a optar pela descarbonização das nossas operações e fazer pesquisas. Temos várias em curso, para aprender sobre o negócio de fontes renováveis e sobre o que é mais adaptável ao contexto de uma companhia de petróleo, para assim reagir a essa onda no futuro. No curto prazo, somos a segunda petroleira do mundo em termos de menor emissão de gases de efeito estufa por barril de petróleo produzido. Estamos numa excelente posição e temos planos de melhorar ainda mais.

E os estudos de combustíveis renováveis?

O de biorrefino é efetivo. Estamos buscando que o diesel renovável seja classificado pelo Conselho Nacional de Política Energética como um biocombustível e que entre na cota do produto, porque ele reduz bastante as emissões — cerca de 70% em relação ao diesel normal e 15% na comparação com o biodiesel. Além disso, foi bem-aceito pelos fabricantes de veículos.

Para quando a companhia prevê uma retomada mais robusta do pagamento de dividendos?

A Petrobras tem de primeiramente pagar sua dívida e investir. Possivelmente, daqui a um ou dois anos vamos ter uma dívida de 60 bilhões de dólares ou menos, e vamos poder pagar mais dividendos. Mas petroleiras são intensivas em capital. A cada ano, aproximadamente 1 bilhão de barris de petróleo por dia são perdidos na produção e é preciso recompor as reservas que foram gastas. Se não houver investimento, a ­companhia vai desaparecer.

Mas essa queda da curva de produção é proporcional ao aumento da oferta global?

Só vai sobreviver a empresa que tiver custos mais baixos. Quem quiser fazer uma expansão a todo custo vai sair do mercado. Não será o caso da Petrobras. Temos vários projetos que suportam o preço do petróleo muito baixo, de 35 dólares em média, e estamos investindo em inovação para melhorar mais ainda essa produtividade e viabilizar a operação de outros campos.

Onde a Petrobras deve estar daqui a 20 ou 30 anos?

O mundo está mudando muito rapidamente. Daqui a dez anos, quero ver a Petrobras como uma das melhores companhias do mundo em termos de geração de valor, focada em petróleo e gás, com alguma atividade em refino, talvez com gás natural, mas com custo baixo, sendo supereficiente, uma empresa ágil. Estamos plantando as sementes para isso, mas muita coisa tem de ser feita ainda.

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