Fonte: Correio 24 Horas / imagem: Rodrigo Miguez/Sindigás

ENTREVISTA: Sérgio Bandeira de Mello

A lenha ainda é a principal fonte de energia para 26% dos lares brasileiros – isso com base em dados anteriores à pandemia. E ao contrário do que se pode imaginar, não se tratam de famílias que, romanticamente, cozinham uma ou outra refeição especial num fogão projetado para as peças de madeira. A realidade, diz Sérgio Bandeira de Mello – presidente do Sindigás, entidade que congrega os principais distribuidores de GLP do Brasil – é que o uso de pedaços de madeira, quase sempre catados, escondem uma realidade de pobreza energética.

Quem é Sergio Bandeira de Mello 

Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal Fluminense, desempenhou diversas funções no Setor do Petróleo, tendo iniciado sua carreira na Texaco Brasil, onde ocupou várias funções, de gerente regional, até ser o presidente da empresa no Peru.

Como é que funciona o mercado de GLP no Brasil?

O GLP, o gás liquefeito de petróleo, tem esse nome porque com baixíssima pressão você consegue pegar um gás e tornar ele líquido. A pressão dentro de um botijão é próxima à de uma latinha de refrigerante, relativamente baixa. E quando se abre a válvula, se gaseifica imediatamente. São características incríveis para utilizar no dia a dia e em uma infinidade de aplicações. O início do uso do gás se dá de forma curiosa. Tinha os dirigíveis que voavam pelo mundo e você tinha tanques de reabastecimento e o GLP era usado para os motores de propulsão. Depois que os dirigíveis deixaram de ser usados, um empresário pensou no uso para substituir os fogões à lenha, como já acontecia em outros locais. Foi como se começou a colocar o gás em latas. Foi uma alternativa aos carvoeiros, que iam de porta em porta entregar carvão nas casas.

Qual a importância do GLP hoje?

Tem um papel importante na nossa matriz energética, ocupa de 3% a 4% do total e 24% à matriz residencial. É algo expressivo. Se fala muito do gás natural, mas hoje ainda é um traço, cerca de 1% nos lares. Isso sem falar nos usos comerciais e na indústria. Entretanto, a conversa sempre vai acabar voltando para o botijão de 13 quilos. Eu destaco também a robusta estrutura de distribuição que temos no Brasil, é algo espetacular. Temos 20 distribuidoras, que recebem o produto das refinarias da Petrobras ou das refinarias privadas, processam e  embalam. Além disso, são cerca de 60 mil pontos de revenda distribuídos pelo país. É uma cobertura de 100% dos municípios do país. A gente chega onde os Correios não chegam e acredito que só as igrejas tenham a mesma penetração.  Fazemos entrega porta a porta e o consumidor, normalmente, tem a expectativa de que a gente faça a troca do botijão para ele. Só de botijões de 13 quilos no Brasil são comercializados 35 milhões por mês. Isso dá em torno de 14 botijões entregues por segundo. Eu sempre digo que a gente comercializa mais logística que gás.

Você acha que o gás aqui no Brasil é caro? Como nós estamos em comparação com outros mercados.

O debate do preço é sempre quente. A gente já fez vários comparativos e eu não tenho um atualizado agora, mas nosso histórico mostra preços próximos ao de outros mercados e até um pouco mais barato que o de outros mercados latino-americanos, por exemplo, porque temos uma escala muito grande. Agora, em relação a preço, tem uma coisa até meio antipática de dizer, mas para dizer que uma coisa está cara, precisamos olhar para as alternativas. Claro que eu posso dizer que o preço evoluiu de maneira agressiva desde o início da pandemia, quando custava em média R$ 68 e agora passou para R$ 120, mais ou menos. Subiu muito, mas não está caro se compararmos para as alternativas. Tem gente migrando para fornos elétricos, air frier, mas não fizeram as contas. A eletricidade custa mais caro que o gás. O gás natural para uso doméstico também é mais caro porque ele demanda a instalação de dutos para levar o produto aos pontos de consumo. Transportar enlatado ainda é uma alternativa muito competitiva. Um botijão dura em média 56 dias no Brasil, então, mesmo com o produto a R$ 100, ele custa R$ 50 por mês.

Contando a história do GLP, você menciona que o produto surge como uma alternativa à lenha. Como é o uso de madeira para produção de energia hoje?

Eu tenho números estarrecedores. A gente gasta muita energia falando que o botijão está caro e ficamos buscando ideia mágica para tirar o botijão de R$ 120 para R$ 100. Deixa eu te contar uma coisa, aí na Bahia, com o botijão a R$ 63 e a R$ 69 no Brasil, você tinha um consumo de lenha matriz energética nacional de 26%, maior que o GLP. O fogão a lenha é ineficiente do ponto de vista térmico. Tirando o romantismo de que a comida fica mais gostosa, estamos falando de uma fonte ineficiente.

Eu imagino que este número que você coloca seja de pessoas que usam a lenha diariamente e não apenas como uma opção ocasional.

Em determinados níveis sociais, o forno a lenha é usado uma vez no mês para fazer uma pizza com os amigos, mas para ocupar 26% da matriz energética residencial, tem uma parcela da sociedade que está consumindo todo santo dia. E tem uma coisa, a gente não cruza nas ruas e nas estradas com caminhões de lenha, como têm os caminhões de botijões. Então, não estamos falando de uma lenha de uma floresta plantada, mas de lenha catada, resto de feira ou sobra da construção civil. Nós não temos um estudo atualizado, mas temos certeza de que este cenário se agravou com o botijão acima de R$ 120. Nós acreditamos que a prioridade não é buscar uma mágica fiscal para baixar o preço do botijão artificialmente, mas encarar a realidade de que uma parcela da sociedade enfrenta um processo de pobreza energética. Esse é um termo da ONU para falar de um cenário em que parcela da sociedade não tem acesso a fontes seguras de energia e migra para energéticos perigosos.

É um contexto de grande vulnerabilidade.

Sim, a gente chama de fogão a lenha, mas na realidade é uma fogueira, com dois tijolos, em que tem o risco da queimadura, de inalar gazes perigosos. Quando a gente fala com o governo, tentamos alertar para os cuidados nas iniciativas de criar uma artificialização de preços para baixar o preço geral. O gasto fiscal será alto com um efeito baixo. Nossa visão é que o preço é resultado de mercado e não tem como desatrelar disso. Se o governo pretende fazer algo, existem saídas mais lógicas, que passam pelo combate à pobreza energética. O alvo deveria ser diminuir a participação da lenha nas residências. Isso precisa ser feito de maneira técnica, com dados, e atrelado à capacidade fiscal do governo. Se não dá para resolver em cinco anos, que se resolva em dez anos. E ainda tem um ponto, é preciso que o recurso vá para quem necessita e que vá para atender essa finalidade específica. Pode ser um cartão, ou qualquer outra ferramenta, mas tem que ser exclusivamente para adquirir a fonte de energia. A ideia não é me fazer vender mais gás, a gente considera que a pobreza energética é o inimigo social. Este uso precário da lenha faz um mal terrível.

Como o Sindigás avalia o Auxílio Gás?

A gente acredita que o programa andou 80% do caminho. É bom deixar claro que não foi uma iniciativa nossa. Gostaria até de dizer que o nosso looby é eficiente e nós quem conseguimos viabilizar este programa, mas na verdade, a situação do aumento da pobreza causado no momento inicial do isolamento social criou situações tão graves que levou o Congresso Nacional a se movimentar. Eles procuraram focalizar o problema numa quantidade de famílias, 5 milhões, determinaram que o programa seria para a compra de gás. Eu acho que o problema é apenas o fato de não terem carimbado os recursos. Ficou faltando apenas isso porque o que está acontecendo, não é uma crítica, as famílias estão em dificuldades tão grandes e com tantas prioridades, que recebem este dinheiro e vão comprar proteína e carboidrato para sobreviver. Com o dinheiro do Auxílio Gás, compram comida e continuam cozinhando na lenha. Está transferindo renda. Você pode dizer que o uso é mais nobre, mas o objetivo do programa é aumentar o acesso ao GLP.

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