Fonte: EPBR / imagem: Pexels-Kris Christiaens

RIO e BRASÍLIA — O PL 2316/2022, do livre acesso à infraestrutura e desverticalização do downstream, divide o setor de combustíveis. A Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom), composta pelas empresas regionais, apoia a matéria, enquanto o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que representa as líderes do mercado (Vibra Energia, Raízen e Ipiranga), é contra o projeto.

O PL (leia na íntegra, em .pdf) altera as regras de acesso às infraestruturas de petróleo e combustíveis, como terminais e oleodutos. A matéria começou a tramitar com a distribuição nas comissões, mas ainda não tem relator definido.

A Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip) e a Associação Brasileira dos Importadores dos Combustíveis (Abicom), por sua vez, veem com ressalvas o papel atribuído pelo PL à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Distribuidoras divergem sobre PL do livre acesso

O discurso do IBP é amparado no conceito de segurança jurídica. Cita estudo recente da Leggio Consultoria, que estima a necessidade de investimentos de R$ 118 bilhões em infraestrutura até 2035, para atender ao crescimento da demanda e garantir, assim, o abastecimento nacional.

Ao facultar a qualquer interessado o acesso às infraestruturas de transporte das indústrias do petróleo e biocombustível, o PL, segundo o instituto, fere o modelo de negócios das empresas que investiram nos leilões de terminais nos últimos anos, de olho na movimentação de carga própria.

“Todo o conceito de investimento que foi considerado pelos agentes, quando eles decidiram investir, cai por terra”, argumenta a diretora de downstream do IBP, Valéria Lima.

“O PL vem num momento equivocado… Não estimula investimento e não vai ser fator de queda de preço, porque não ataca a questão dos modais de alto volume, ou seja, incentivos às ferrovias de cargas múltiplas”, complementa.

Ela defende, ainda, que os terminais não constituem uma indústria de rede, como gasodutos, para se sujeitarem ao unbundling (desverticalização) proposto. Reconhece, contudo, que os dutos merecem uma regulação mais bem definida e uma legislação de acesso mais clara.

“Mas temos poucos dutos no Brasil. O alcance dessas alterações é bem menor… O que vai gerar competição nos dutos é a venda das refinarias”, pondera.

De acordo com um executivo de uma grande empresa do setor, o PL mirou a Transpetro, mas pode afetar a dinâmica de todos os agentes do mercado. O unbundling, na visão da fonte, mexe com a percepção de risco do investidor de terminais e pode se refletir, ao fim, em mais custos para o setor.

Já entre as distribuidoras menores, regionais, o PL foi, em geral, bem recebido. A percepção entre as pequenas e médias companhias é que o controle do acesso à infraestrutura é o que permite às grandes empresas manterem a concentração de mercado. Segundo a ANP, Vibra, Raízen e Ipiranga dominam 66% das vendas de diesel e cerca de 60% da comercialização de gasolina no Brasil.

Defendem também que a indústria de óleo e gás no Brasil ainda não alcançou o status de livre mercado, para prescindir de medidas de desverticalização.

O vice-presidente executivo da Brasilcom, Abel Leitão, afirma que o PL está inserido dentro de um contexto de “desmobilização estatal” e que o projeto é fundamental para a defesa, manutenção e sobrevivência das distribuidoras regionais, dentro de um ambiente competitivo e de liberdade econômica.

“Compreendemos a importância do proprietário da infraestrutura e a preferência que ele deve ter, mas isso não pode ser diferencial competitivo baseado no abuso do poder econômico ou um impeditivo à concorrência, um bloqueio ao acesso e à competição”, comenta.

“Um outro ponto que vale destacar é que boa parte das áreas portuárias são concessões públicas e, por isso mesmo, precisam trazer benefícios de interesse público. E é aí que a concorrência, dentro de regras claras, permitirá que a competitividade se dê de forma equilibrada e sem que haja abuso do poder econômico, o que beneficiará o mercado e o consumidor final”, complementa.

Leitão acrescenta, ainda, que a pluralidade e o crescimento da concorrência tendem a ampliar os investimentos em infraestrutura.

Empresas temem ‘amplos poderes’ da ANP

O IBP considera que o PL dá poderes amplos à ANP. Valéria Lima cita o caráter expropriatório da regra que delega à agência reguladora a competência de extinguir a autorização de operação das infraestruturas e “designar outra empresa para operar e manter as instalações vinculadas à autorização extinta até que ocorra a alienação”.

Questiona também a redação genérica, quando faculta a qualquer interessado o acesso a dutos, terminais aquaviários e “outras infraestruturas definidas pela ANP”. A redação, como foi sugerida, segundo o IBP, dá margem para que a agência também proponha, no futuro, o unbundling de unidades de processamento de gás natural (UPGNs) e gasodutos de escoamento, por exemplo.

“O céu é o limite”, afirma Valéria Lima.

A Abpip tem uma visão parecida nesse aspecto:

“O grau de abertura ficou subjetivo. Dependendo do que for, a ANP estará fazendo uma política pública [de abertura de determinado setor]. E o órgão regulador não deveria fazer isso [criar política pública]”, defende o secretário executivo da associação, Anabal Santos Jr.

A Abpip representa os interesses dos produtores independentes que vêm herdando as infraestruturas de óleo e gás da Petrobras, sobretudo no Nordeste, a partir da compra dos campos maduros da estatal. A associação pede que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) atue para cessar “condutas anticompetitivas” na relação entre Petrobras e Transpetro.

A entidade ainda não tem uma posição fechada sobre o PL. Anabal Santos Jr, contudo, questiona o timing da proposta.

“O Estado, quando precisou de fato intervir no monopólio da Petrobras, foi omisso. Agora que o mercado está mudando resolve atacar a questão… Não sou contra a possibilidade de intervenção, em si, mas ela vem tarde. Vai acontecer quando a Petrobras já tem uma participação menor no mercado”, afirma o executivo, em referência, em especial, às transformações do setor no Nordeste.

O executivo cita o acordo entre 3R e PetroReconcavo, que estudam o compartilhamento de infraestruturas de óleo e gás na região, como um exemplo de como a entrada de novos agentes no setor tende a dar uma nova dinâmica ao acesso de UPGNs, dutos e terminais.

“Não acredito que vamos ter grandes dificuldades quando esses ativos forem para as mãos de terceiros. Acho que vai ser mais fluido do que a posição da Petrobras historicamente. O dono do ativo vai querer fazer dinheiro e, quanto mais a infraestrutura estiver ocupada melhor. É uma mentalidade diferente daquela da Petrobras, da Transpetro, que muitas vezes foi inflexível na negociação dos custos”, alega.

Anabal defende também que já existe hoje uma regulação para o acesso de terceiros e que o que falta, de fato, nesse aspecto, é uma questão de enforcement.

Importadores veem poder de intervenção da ANP

O presidente da Abicom, Sergio Araujo, afirma que é preciso otimizar o uso da infraestrutura existente, mas que o PL precisa ser “calibrado”. Na visão dele, o projeto confere autoridade para que a agência intervenha na relação comercial entre os agentes.

Ele faz referência ao trecho do projeto que diz que, nas ocasiões em que não houver acordo entre as empresas sobre o acesso à infraestrutura, “a ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração da instalação com base em critérios previamente estabelecidos, consideradas a remuneração pela prestação eficiente dos serviços e a depreciação dos ativos, no prazo e nas demais condições previstas na regulação aplicável”.

“Como agente regulador, a ANP pode e deve ter o controle sobre a capacidade e uso da infraestrutura logística, porém sem ter ‘poder’ para intervir nas condições comerciais”, comenta Araujo.

A Abicom representa tradings privadas — algumas delas donas de terminais.

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