Fonte: Infomoney

Entra governo, sai governo e a tradição de se criar bombas-relógio no setor de energia continua em cena. Agora não poderia ser diferente, ainda mais com a aproximação das eleições presidenciais de 2022.

As bombas-relógio ganharam força durante a pandemia diante da necessidade de combater o crescimento da inflação. Segundo os dados mais recentes do IBGE, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulou alta de 2,05% no ano de 2021 até março e de 6,10% nos últimos 12 meses encerrados em março. Os principais impactos vieram dos aumentos nos preços de combustíveis, que subiram 11,23% só no terceiro mês do ano, e do gás de botijão, com alta de 4,98%.

Ao observar o acumulado de 2021 até março, o preço médio ao consumidor do diesel subiu 18%, o da gasolina 23% e o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), 11%.

As tarifas de energia elétrica também vão pesar no bolso dos consumidores neste ano. Os reservatórios hídricos do Sudeste estão encerrando o período úmido, do final de março, com um nível de 35%, o menor dos últimos 90 anos. No ano passado, o nível era de 52% no fim de março. Isso indica que as térmicas deverão ficar ligadas durante boa parte do ano e a probabilidade de termos bandeira vermelha prevalecendo é muito grande em 2021. Sem falar no gás natural, que vai ter um aumento dado pela Petrobras (PETR4) de 39% a partir do início de maio.

Diante desse cenário, aumenta o risco de ingerência nos preços da energia. Algumas medidas já foram tomadas, como a isenção de PIS/CONFINS no diesel por dois meses (março e abril). A mesma medida foi aplicada ao preço do botijão de gás, mas por tempo indefinido. No caso do setor elétrico, foi publicado um Decreto que difere a tarifa da Usina de Itaipu, que está atrelada ao dólar. Também vai ajudar a represar os aumentos a “conta Covid”, criada no ano passado para as distribuidoras de energia, e agora vamos ver qual será a solução para os reajustes das distribuidoras que têm o IGP-M como indexador.

O fato real é que as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre os preços da energia têm assustado o mercado. A mais recente foi a de que o aumento de 39%, anunciado pela Petrobras para o gás natural a partir do início de maio, seria “inadmissível”. O presidente fala da necessidade de previsibilidade para a política de preços da energia e sempre que pode acusa os estados de terem uma ¨sanha arrecadatória¨ – ao mesmo tempo em que sempre garante que não vai interferir nos preços.

Na realidade, tudo vai depender, no caso dos combustíveis, do comportamento do preço do petróleo e da taxa de câmbio, que neste início de 2021 pressionaram – e vêm pressionando -, o preço dos combustíveis no mercado doméstico. No caso do setor elétrico, tudo dependerá do nível dos reservatórios das hidrelétricas e do crescimento da economia.

O temor é de que a velha história de intervenção nos preços da energia, criando bombas-relógio, principalmente com a aproximação do calendário eleitoral, se repita. Entre 2011 e 2014, a intervenção do governo da ex-presidente Dilma Rousseff na política de preços da Petrobras causou um rombo no caixa na companhia de cerca de US$ 40 bilhões, além de uma multa de US$ 3 bilhões aplicada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

A intervenção nos preços não se restringiu aos combustíveis. O setor elétrico até hoje sofre os efeitos da Lei 12.783/2013, oriunda da conhecida MP 579/2012. Na ocasião, a Lei obrigou as empresas de geração e transmissão de energia a antecipar a renovação de suas concessões, condicionado a antecipação à redução de 20% nas tarifas de eletricidade. Ao reduzir as tarifas de forma artificial, a medida sinalizou erroneamente uma abundância de recursos hídricos, resultando nos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que não se recuperaram até hoje. Isso causou um rombo de R$ 100 bilhões e o “tarifaço de 2015”.

Entretanto, apesar de quase quebrar o setor elétrico e a Petrobras com essas políticas populistas, a ex-presidente Dilma se reelegeu em 2014.

As recentes ações do atual governo, bem como as declarações do presidente Bolsonaro ampliam as preocupações com o futuro do setor. Tudo está levando a crer que as medidas do governo estão se espelhando no que aconteceu em governos anteriores, na busca da reeleição. E aí a aposta poderá ser no represamento dos preços, criando bombas-relógio que em algum momento vão estourar.

A posse do novo presidente da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna, chamou atenção por três pontos. O primeiro é pela simbologia da foto de posse com a presença de quatro militares: Silva e Luna e os almirantes Bento Albuquerque, Eduardo Barcelos e Rodolfo Saboya. Ela representa a volta da militarização do setor de óleo e gás natural.

A segunda é quando o novo presidente fala em reduzir a volatilidade e dar previsibilidade aos preços dos combustíveis. Quem determina a volatilidade é o preço do barril no mercado internacional e o câmbio. Ambos não estão no controle da Petrobras.

Quanto à previsibilidade, talvez ele esteja considerando a ideia de fixar períodos para os reajustes a cada 15 dias ou 30 dias. Isso pode cheirar a intervenção. Imaginem se ao longo desses intervalos ocorrerem movimentos de elevação do barril e/ou depreciação do real. A Petrobras vai conseguir repassar aos preços dos combustíveis? Como ficam os importadores privados?

Por fim, falar de conciliar os interesses dos acionistas com o dos consumidores me parece um equívoco. O papel do presidente da Petrobras é defender os interesses exclusivamente dos acionistas. Quem tem de olhar para os consumidores é o governo, criando politicas públicas como, por exemplo, um fundo de estabilização para o diesel e uma tarifa social para o botijão de gás, preservando a autonomia da Petrobras.

Mas a tentação da intervenção e a falta de políticas públicas que separem os interesses do governo acionista da Petrobras do governo preocupado com a sociedade nos a leva crer que empresas de economia mista nunca darão certo no Brasil.

Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE)

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