Fonte: Sindigás

A subida dos preços do botijão de gás reacende na imprensa um novo debate sobre velhas crenças que não se sustentam diante de uma análise minimamente coerente e realista. A principal delas, fomentada por iniciativas populistas que apresentam falsas promessas de supostos benefícios para o consumidor, é a venda fracionada do gás de cozinha em postos de gasolina. Além de falácia, induz a sociedade a erro, com promessa dissimulada travestida de uma solução. Em outras palavras, não existem soluções simples para problemas complexos.

Por que é falsa a afirmação de que vender o GLP de forma fracionada seria uma forma vantajosa de garantir o acesso ao botijão de gás? Ou mesmo para que o custo caiba dentro do bolso do consumidor? Os argumentos variam muito e não deixam dúvidas de que essa “fácil” saída é na realidade uma grande cilada.

Vamos aos fatos. No varejo, de maneira geral, quanto menor a quantidade comprada, mais cara sai a unidade do produto. Isso vale para tudo, de arroz e feijão a sabão em pó e perfumes. Portanto, embalagens menores têm custo proporcional mais elevado e não representam uma solução social. Se a ideia é fazer com que o custo do botijão caiba no fluxo de caixa do cidadão mais vulnerável, o parcelamento no cartão de crédito cumpre o papel, oportunizando ao consumidor pagamento a prazo. Tal sistema plenamente abraçado pelas empresas já está presente no dia a dia, como uma alternativa para não pesar no bolso do consumidor. Além do fiado, adotado por muitos revendedores.

Há, no entanto, camadas da sociedade que têm sérias restrições orçamentárias e não dispõem de recursos nem de meios de crédito para compra do gás de cozinha. É aqui que reside o desafio para as políticas públicas, que devem ser projetadas para atender a esse grupo, cada vez mais numeroso à medida que a crise econômica se agrava.

Em contraponto, na contramão de um desenho consistente, eficiente e sustentável, encontram-se iniciativas apelando para o enchimento fracionado do botijão de gás em pontos de venda diversos, que desconsideram riscos, economicidades e análises técnicas consistentes, com consequências temerárias que superam meros inconvenientes. Isso porque a promessa de rápida solução esbarra em questão quase que intransponível, a segurança do consumidor, do trabalhador e da comunidade do entorno. Não é um simples debate, pois envolve diversas variáveis. Coloca o cidadão em risco de dano desnecessário, associado a uma atividade que segue normas de segurança próprias, pela sua especificidade, que deve ser desenvolvida em áreas industriais.

Além disso, o modelo proposto para possibilitar eventual recarga fracionada ainda pode trazer vícios para um segmento que trabalha com um produto pré-medido, portanto, sem fraudes, tanto em aspectos de qualidade quanto de quantidade.

Há de se considerar a existência de um custo logístico, que é importante, mas passa despercebido por aqueles que defendem a tese do fracionamento. Desconsideram que o consumidor terá o inconveniente, além do risco e ônus, de se deslocar até um ponto de venda para fazer uma compra parcial, o que o fará retornar em um prazo de tempo menor para uma nova recarga. Atualmente, o consumidor recebe em sua residência uma embalagem cheia, da marca de escolha dele, que oferecer as maiores vantagens comerciais, sem burocracias e nas melhores condições, sem custo adicional. Mudança no atual modelo, além de significar retrocesso, resultará invariavelmente em aumento do custo logístico, com impactos no orçamento doméstico.

Pelo que se pode observar até aqui, a impropriedade dessa operação é evidente. Como ilustração, ao abastecermos nossos carros nos postos, não há qualquer embaraço, pois estamos em deslocamento e, no meio do trajeto, podemos parar e abastecer, sem que isso seja um transtorno absoluto. Mas ter que sair de casa com o botijão nas costas para ir a um ponto de venda entre um preparo e outro de refeição, é muito diferente. É um enorme contrassenso.

É muito importante reforçar a questão da segurança no enchimento parcial do botijão. A etapa mais perigosa da comercialização de GLP é o envasamento, que no sistema vigente é realizado em áreas industriais, ou seja, apenas em locais distantes dos centros urbanos, em instalações controladas, com toda a segurança e observância às normas que norteiam a atividade.

E não existe falácia quando se combate o despropósito da recarga fracionada. Outro exemplo desse absurdo é que, mesmo existindo cilindros com segurança para recarga fora de plantas industriais, eles precisam ser providos de conjuntos especiais de válvulas, considerando os usos permitidos, o que os tornam muito mais caros. Ademais, ainda não há possibilidade de conversão dos mais de 120 milhões de cilindros em livre circulação pelo Brasil, os quais não possuem conjunto de válvulas que permita tal operação. Seria necessário criar nova embalagem que, segundo os cálculos de especialistas técnicos do setor, alcançaria o montante de R$ 450,00, considerando a aplicação de um conjunto de válvulas para mitigar os riscos da operação. Enquanto que, atualmente, o botijão de 13 quilos que conhecemos custa R$ 270,00 para ser fabricado, em total conformidade com as normas vigentes.

Como exposto até aqui, a modalidade de fracionamento de GLP acaba sendo uma proposta para desviar o foco do real desafio: a necessidade de o formulador de política pública entender como dar acesso ao GLP e demais energéticos limpos, seguros e eficientes à população mais vulnerável. O que resta para o enchimento fracionado? Sobreviver em debates improdutivos em um cenário de falsas promessas. Nada mais.

A proposição de uma medida como essa, analisada sob todos os ângulos, é infeliz, desprovida de razoabilidade e não soluciona os desafios dos menos favorecidos.

Sergio Bandeira de Mello – Presidente do Sindigás

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