Fonte: EPBR / imagem: CJJ

RIO — O desenvolvimento das reservas não-convencionais de Vaca Muerta traz oportunidades de importação não só de gás natural argentino para o Brasil, mas também poderá aumentar a compra de gás liquefeito de petróleo (GLP) e gás liquefeito derivado de gás natural (GLGN) do país vizinho.

A trading brasileira Interco iniciou em 2022 as operações de importação spot de GLP da Argentina e espera que, a partir de 2024, possa ampliar seus negócios para acordos de prazos maiores. Incertezas sobre como a Petrobras se posicionará no mercado, no novo governo Lula, no entanto, colocam o setor em compasso de espera.

“Entendemos que, em 2024, eles [argentinos] passam ser mais superavitários, inclusive no inverno, e estamos nos preparando para isso… A partir do momento que houver mais escoamento de Vaca Muerta, as unidades de processamento argentinas vão produzir mais [GLP e GLGN]”, afirmou o diretor de commodities e trading, Marcos Paulo Ferraz à epbr.

A Argentina é o segundo maior supridor de GLP do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. O mercado nacional importa cerca de 25% do seu consumo.

Em declaração conjunta, após a visita oficial de Lula a Buenos Aires, em janeiro, os governos de Brasil e Argentina anunciaram uma série de compromissos na área de energia, dentre os quais:

  • promover um mercado de energia sul-americano e aumentar o intercâmbio de gás natural, GLP e energia elétrica entre os dois países.

Trading se aproxima de fornecedor argentino

A Interco tem construído uma parceria comercial com a Transportadora Gas del Sur (TGS). A trading brasileira entrou no negócio de importação de GLP em 2022, de olho nas oportunidades da abertura do mercado de combustíveis.

Nos últimos anos, a Petrobras sinalizou ao mercado que não atuaria mais como garantidora do abastecimento doméstico. A estatal acabou com a diferenciação de preços do GLP a granel para o P-13 (botijão de 13 quilos, de uso residencial) e passou a atrelar os preços do produto ao comportamento do mercado internacional.

As distribuidoras, então, começaram a se movimentar para importar o GLP, como fonte de suprimento alternativa à Petrobras.

Em janeiro, a Interco realizou sua primeira operação de importação da Argentina via navio. O destino foi o Porto de Suape (PE), no Nordeste – região altamente dependente do mercado externo.

Ao todo, foram compradas 12,5 mil toneladas de GLP. O produto foi encomendado por distribuidoras que atuam no complexo industrial portuário de Pernambuco. O gás veio do Porto de Bahia Blanca, na província de Buenos Aires.

Acesso à infraestrutura ainda é incerto

A operação foi possível graças ao acesso ao navio-cisterna da Petrobras em Suape.

Em 2022, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) classificou a embarcação como uma infraestrutura essencial para o abastecimento de GLP no Brasil.

Com isso, o órgão regulador garantiu que a petroleira mantenha a instalação fundeada em Pernambuco, mesmo que ela venha a se desfazer, no futuro, de seus ativos de refino e infraestrutura associada no Nordeste.

Suape é a principal porta de entrada de GLP na região, mas tem capacidade limitada de armazenamento e depende da manutenção do navio-cisterna para estocar cargas recebidas.

O navio-cisterna está, hoje, com acesso aberto para que empresas privadas possam usar a capacidade da embarcação. O diretor conta, no entanto, que essa não é uma realidade na maior parte da infraestrutura do país.

O diretor executivo da Interco, Nicholas Taylor, conta que a ideia da companhia é passar a oferecer contratos de GLP de longo prazo a partir de 2024. Mas alguns gargalos, como o acesso à infraestrutura, podem dificultar o negócio.

“[As operações] dependem da programação [dos terminais] da Petrobras e é difícil termos uma previsão das janelas possíveis de disponibilidade de tancagem. É dificil nos comprometermos com moléculas de gás em contratos de longo prazo sem sabermos onde e quando poderemos descarregar”, comentou.

A empresa vê com bons olhos, nesse sentido, as discussões sobre o PL do Livre Acesso, iniciadas no governo Bolsonaro. Investir em tancagem própria não está nos planos, por ora.

Para Ferraz, falta previsibilidade para os agentes do mercado de GLP, hoje, em relação não só ao acesso à infraestrutura, como também aos preços da Petrobras – principal fornecedora do mercado.

“Temos que entender como a Petrobras vai se comportar nessa transição [de gestão da empresa e do governo]. Ela vai sair do mercado de importação? Como ela vai construir esse novo mercado?”, questiona.

“O que mais dificulta, hoje, para as distribuidoras, é a previsibilidade. É o principal fator que deixa o mercado hoje no escuro”, completou.

A Interco também vem fazendo importações de GLP argentino para o Rio Grande do Sul – aproveitando, sobretudo, as oportunidades pela parada de manutenção da refinaria Refap, em Canoas.

A perspectiva da companhia é operar importações do país vizinho para o Sul do país ao longo de todo o ano.

A empresa também mira novos produtos. Além do GLP, está de olho em oportunidades de importação de fertilizantes, propelente e nafta.

Potencial de crescimento da demanda é promissor

Numa perspectiva de mais longo prazo, a Interco olha para o potencial de aumento da demanda por GLP, a partir da abertura do mercado para novos usos do derivado no Brasil.

Hoje, existem regras que limitam o uso do GLP, mas mudar essas regras é pleito antigo das distribuidoras. Representadas pelo Sindigás, elas alegam que as restrições foram impostas em 1991, por temores com a escassez do produto, em meio à Guerra do Golfo. O cenário, porém, mudou, defendem.

A lei 8.176/1991 tipifica o uso desautorizado de GLP em motores, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos, como crime contra a ordem econômica. Em 2016, uma resolução da ANP flexibilizou o uso do combustível em empilhadeiras e equipamentos industriais de limpeza.


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