Fonte: Sindigás
Após publicação de artigos recentes, surgiram comentários e dúvidas que instigam reflexões sobre pontos cruciais acerca do respeito à marca dos cilindros para envase do GLP pelas empresas. Antes de qualquer análise, é imperativo ressaltar que nada pode suplantar o valor da regulação econômica vigente. Essa regulação não apenas permitiu a construção de um sistema sustentável, que prolonga a vida útil dos cilindros de GLP, mas também assegura ao consumidor a liberdade de escolha do seu fornecedor a cada recarga de gás adquirida, a possibilidade de responsabilizar a empresa distribuidora pela qualidade, quantidade de gás e integridade da embalagem, a partir da marcação forjada na fabricação do cilindro.
Importante destacar que a marca em alto relevo é irremovível, não podendo ser retirada, escondida, ou substituída por adesivos ou quaisquer acessórios removíveis. A despeito disso, algumas confusões atacam o fato de que os investimentos em manutenção e requalificação são pagos pelos consumidores. Fato esse incontestável. Da mesma forma, o consumidor que frequenta uma cafeteria e paga pela manutenção da máquina de café expresso não obtém o direito de levar, na loja, o pó de café e utilizá-la. Um conceito evidente é que os investimentos das empresas são repassados aos consumidores, por dinâmica presente em diversos setores no cenário de livre mercado e concorrência.
Ocorre que os investimentos em requalificação são feitos para períodos de 7, 8, 9 ou 10 anos e vão sendo amortizados. As distribuidoras arcam com os custos. O estímulo para que elas façam esses aportes é que, no período de amortecimento dos investimentos, detenham exclusividade no uso dos cilindros para comercializar o GLP. Esse é o incentivo garantido pela regulação econômica, resultando em investimentos que ultrapassam R$ 980 milhões ao ano. Montante que, considerado desde o início do programa nacional de requalificação, trazendo a valor presente, já supera os R$ 23 bilhões.
A extinção dessa sistemática eliminaria o estímulo que funciona como dever-direito, além da expropriação dos vultosos investimentos realizados pelas distribuidoras – que seguiram determinação do próprio Estado, garantindo a elas a exclusividade de uso dos cilindros. É essa engrenagem que faz com que o sistema funcione de forma segura e eficiente: o dever-direito aos investimentos em manutenção/requalificação e a reposição de cilindros sucateados estão atrelados à contrapartida de exclusividade na comercialização pelos detentores das marcas forjadas nos cilindros. No entanto, é importante destacar que ao consumidor sempre lhe é garantido o direito de eleger o seu fornecedor ante a intercambialidade dos cilindros.
Nesse sentido, resta evidente que inexistem barreiras para ingresso de novos distribuidores, desde que eles estejam dispostos a cumprir as obrigações existentes, como todas as empresas já estabelecidas. Com o ingresso na atividade, gozarão dos mesmos direitos e deveres. Importante enfatizar que essas obrigações, embora relevantes e custosas, são essenciais para o bom funcionamento do mercado e, sobretudo, para a segurança dos consumidores.
Assim, o investimento em cilindros é necessário? Sim. É dispendioso? Certamente, dada a atividade no setor ser intensiva em capital. Por isso, a existência de barreiras estruturais para o desenvolvimento de atividade de utilidade pública tão essencial à sociedade brasileira. Não há, portanto, artificialismos ou ilegalidades, mas cumprimento de obrigações que traduzem na segurança da prestação do serviço à sociedade e ao consumidor, real hipossuficiente na cadeia. Sob outro prisma, o Sindigás não alega que a propriedade dos cilindros pertence a alguém específico, mas destaca que a cada compra, seja por revendedor ou consumidor, um cilindro em perfeito estado é entregue, enquanto outro é devolvido. Portanto, o cilindro está na posse de quem o detém, embora seu direito seja limitado para preservar um bem maior: o sistema de garantia da integridade dos cilindros e, por fim, o consumidor. Significa dizer que o adquirente pode utilizar o cilindro, para consumo do gás, pelo tempo que desejar, sem precisar devolvê-lo ao sistema. Por outro lado, as regras o impedem de sucatear, destruir, transformar em outro objeto, ou mesmo comercializar gás de origem diferente à da marca estampada em alto-relevo no corpo do cilindro. Essa abordagem visa criar um sistema virtuoso (e sustentável) de responsabilidade com embalagens retornáveis e recicláveis.
Apesar do exposto, comparações enviesadas são feitas, a partir de modelos de outros países. Alguns modelos estrangeiros colocam o consumidor como dono do cilindro, mas também como o responsável por todas as etapas, inclusive sucateamento e reposição ao fim da vida útil. Nesses casos, o consumidor é obrigado a levar o cilindro vazio até um ponto para recarga, geralmente localizado a 10, 20, 30km de sua residência, dada a falta de intercambialidade entre cilindros com diferentes prazos de vida útil. Já a sistemática brasileira visa a segurança e conveniência do consumidor, proporcionando um serviço mais eficiente e acessível.
Ainda chama atenção legislações estaduais que surgem em descompasso com a norma federal. Nesse ponto não restam dúvidas: pela Constituição, a regulação sobre petróleo e seus derivados obedece a legislação federal, emanada pela União, no caso pela ANP. Simplesmente porque não existe um mercado do Rio de Janeiro, um do Pará e outro do Mato Grosso, mas sim um mercado de GLP, que é intercomunicável para segurança do abastecimento nacional.
As confusões introduzidas no debate tentam ocultar fatores evidentes, como a necessidade de múltiplos cilindros para cada botijão vendido mensalmente. No Brasil, são comercializados 33 milhões de botijões de 13kg a cada mês, demandando uma circulação de 128 milhões de botijões. Inserir-se nesse mercado, vale ressaltar, não é proibido ou impossível, exige incorporar no sistema 3,5 ou mais cilindros para cada botijão vendido mensalmente. Ou seja, os cilindros não são ocultados; muitos estão em lares como reservas, em revendas, distribuidoras, transporte ou manutenção. Esse é o funcionamento operacional necessário para manter a excelência no comércio de GLP.
Relevante ressaltar que o Sindigás colabora ativamente para contribuir com o Poder Público em aperfeiçoamentos, inclusive no campo regulatório. Sendo que defendemos ser crucial a avaliação de propostas temerárias que desarticulam em vez de “modernizar”. Assim, é preciso avaliar e comparar se há ganho social, ou perda social, resultante de cada proposta de alteração.
Pelo tratado até aqui, é evidente que o Sindigás atua como fiel defensor das normas da ANP. Primeiro por considerá-las virtuosas em várias frentes, além de estar conforme com a Carta Magna do nosso país. Ainda, pelo fato da segurança jurídico-regulatória traduzida pela regulação econômica vigente, que não pode ser suplantada por normas diferenciadas emanadas em cada canto do país, pois apenas impõem desordem e assimetria. Como dito, desarticular o ambiente vigente coloca um setor essencial em um ringue de vale-tudo, no qual o perdedor será sempre o consumidor final, o hipossuficiente nessa relação de consumo.
Sergio Bandeira de Mello
Presidente do Sindigás