Assistimos a um estridente debate sobre a adoção de meios de rastreabilidade eletrônica para recipientes transportáveis de GLP. Os motivos apresentados são os mais diversos. No entanto, um aspecto é sempre – e curiosamente – esquecido: a regulação brasileira não apresenta nenhum impedimento nesse sentido.

Ora, se não existem restrições, por que a rastreabilidade eletrônica para recipientes transportáveis de GLP ainda não foi implantada no Brasil? A resposta ferina dos que defendem a medida é que as distribuidoras resistem, por razões insondáveis, à inovação.  Mas não é bem assim.

Na implementação de novas soluções, quaisquer que sejam, é preciso seguir um preceito básico: a identificação do problema a ser superado. Sem isso, ou quando a “solução” só contribui para ampliar o problema apontado, caminha-se em terreno pantanoso.

Convenientemente, os atores que alimentam essa discussão omitem que o uso de chips eletrônicos por determinação de ato regulatório simplesmente inexiste no resto do mundo. O uso de chip pelo setor de GLP será uma opção quando houver razão econômica e resultado eficaz para melhorias de controle e produtividade na planta de enchimento. Até o momento, não há razão para a implementação desta tecnologia.

Ocorre que os chips existentes no mercado não resolvem as situações reais do setor. Muito pelo contrário. A velocidade de leitura que apresentam, por exemplo, é incompatível com a velocidade das esteiras nas plantas de engarrafamento. Assim como a Gaiola de Faraday, que se forma com a alça metálica dos nossos cilindros, baixaria a eficiência da leitura, criando taxas de erro inaceitáveis.

De maneira irresponsável, são postas na mesa propostas genéricas, sem qualquer tipo de comprovação. É o que acontece com a ideia de que a informalidade no comércio de GLP pode ser combatida com a tecnologia de rastreabilidade. A verdade é que o chip em questão não é ativo. Por isso, para que detectássemos quem foi o comerciante formal que deixou o botijão no ponto informal, ou entregou-o para um motoqueiro ilegal, precisaríamos que ele próprio passasse por um ponto de controle e registrasse o procedimento. Uma hipótese absurda, infantil.

Alimentar a ideia de que o chip funcionaria como um GPS do botijão é, assim, uma mentira e um desserviço para o bom debate. Ao mesmo tempo, alega-se que o chip conteria os dados de quem envasou o botijão, bem como de onde e quando foi realizado o processo. Novamente, omite-se um detalhe essencial: esse registro já consta nas embalagens e está no Rótulo de Instruções de Segurança! O dispositivo de rádio frequência exigiria um equipamento de leitura, o que apenas limitaria o acesso à informação, hoje disponível a todos, de forma impressa.

Por fim, comete-se a leviandade de defender que o chip poderia substituir a marca estampada em alto relevo no corpo do cilindro. Esconde-se do consumidor que o chip é removível, enquanto a marca em alto relevo sobrevive – como “testemunha” do responsável pelo enchimento do botijão e manutenção do vaso de pressão – até mesmo diante do calor de um incêndio. Ao contrário do chip, não pode ser retirada nem trocada, em hipótese alguma.

Levando-se em conta as características do produto, precisamos pensar em situações extremas, mas, sobretudo, precisamos ter soluções consistentes, sérias, que vão além da mera retórica. Nesse âmbito, fundamental reiterar: nada impede a utilização de chips eletrônicos nos cilindros de GLP, caso essa medida faça sentido, em termos de mercado.

No mundo real, os vetores que incentivam a inovação são a competitividade e o potencial de se oferecer aos consumidores um produto melhor. Hoje, a Internet das Coisas (IoT) bate à porta. Haverá modelos de negócios e tecnologias que alcançarão esse objetivo e não significarão, tão somente, como ocorre com o debate em torno dos chips atuais, um aumento de custos exigido de forma intervencionista, através de queixas ruidosas e desinformadas.

Implementar chips eletrônicos via regulação significaria retornar a práticas falidas, voluntaristas, que prejudicam o consumidor e engessam o mercado, em vez de torná-lo mais eficaz e competitivo. Voltar ao passado não é o caminho para inovar.

Sergio Bandeira de Mello – Presidente do Sindigás

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